O Juizado Especial Cível é uma exceção. Nele, as partes podem pedir um direito que entendem devido, para que o Judiciário decida. O juiz está entre as partes e acima delas.
Entretanto, é bastante comum, ainda na fase da citação, autores irritados porque...
o réu não foi citado, seja porque não foi encontrado, seja porque mudou-se.
No juízo comum, o advogado pede para que o juiz expeça ofícios para a localização do réu: Vivo, Claro, Oi, Tim, Eletropaulo, Net e até mesmo Casas Bahia. É possível a citação por edital. No Juizado, porém, é um ônus do autor trazer o endereço do réu, onde ele possa ser encontrado.
É preciso ter paciência para explicar aos inconsoláveis autores, que afirmam, invariavelmente: "Ele está se escondendo!", "Ele sabe que eu entrei com uma ação!" ou "É por isso que nada neste país funciona! A Justiça neste país não presta!"
Não, meu senhor. Se não funciona, não será por isso.
Em primeiro lugar, é preciso explicar o que é o ato da citação: é por esse ato que o réu fica sabendo que contra ele existe um processo e do prazo para que possa se defender. Nesse ato saberá o que pede o autor, de que o acusa, quem o processa, em que Juízo, qual o número do processo, para que possa consultar os autos e verificar os documentos até então acostados. Isso é Justiça.
Não basta a
alegação do autor de que o réu está se escondendo. Se ele estiver se ocultando, depois da tentativa infrutífera de citação pelo correio é possível nova tentativa, desta feita por Oficial de Justiça. O oficial é a longa manus do juiz. Sua palavra tem fé pública, assim como a dos escreventes, quando atestam ou certificam. Se, por outro lado, o réu se recusar a assinar o mandado, o oficial o descreverá: 1,80 de altura, branco, cabelos castanhos, compleição magra. E a certidão do Oficial de Justiça valerá como citação.
Se o réu sabe que o senhor entrou com uma ação, não basta sua alegação. É preciso constar dos autos a citação, consubstanciada no aviso de recebimento ou na certidão do Oficial de Justiça.
Se o senhor vencer a ação e o processo for além, sem que o réu tenha sido citado, tudo pode vir por água abaixo, pois a citação é um ato formal e necessário. Portanto, todos os atos do processo, inclusive a sentença, podem ser anulados. Sim, anulados.
A melhor Justiça, em qualquer lugar do mundo, dará chance ao réu de saber que contra si corre uma ação, e ele tem o direito de se defender. Se não o fizer, o problema é dele. Ele não é obrigado a se defender, mas deve ser dada uma chance a ele para que apresente provas de que o que o autor alega não é verdade. Ou que as coisas não aconteceram conforme narradas.
Como às vezes tais argumentos não funcionam, costumo exemplificar: imagine que alguém entre com uma ação contra o senhor e indique outro endereço para a citação. Não o encontra. Seria justo que o processo avançasse, que seus bens lhe fossem retirados, sem que tivesse uma chance para se defender? As consequências, em um processo, são muito graves. Por tais razões é preciso observar os princípios da ampla defesa e do contraditório, garantidos constitucionalmente.
Existe outra consequência importante: se o réu não é citado e o processo segue seu rumo e, lá adiante, não encontram bens do devedor. Passa o tempo. Quando o réu for encontrado, e alegar a ausência de citação, pode também pedir a extinção do feito, em virtude da ocorrência de prescrição, pois não havendo citação o prazo prescricional não foi interrompido. Neste último caso, o autor perde a chance de ver o seu direito satisfeito. Dê uma olhada no Art. 206 do Código Civil. Lá estão elencados prazos especiais de prescrição e o geral, de dez anos, aplicável quando o caso não estiver relacionado no corpo do artigo.
Portanto, exigir que o ato seja cumprido é uma forma de proteger o autor, para que os atos do processo sejam válidos e não possam ser anulados.
Ou ainda, quando afirmo que são necessárias provas do que se alega: você e sua vizinha não se dão bem, por qualquer razão. Imagine que ela, a certa altura, precisa de dinheiro e tem a brilhante idéia de entrar com uma ação contra você, justificando que você é devedora de R$ 8.000,00. Maravilhoso para ela. Seria justo que ela vencesse a ação, sem qualquer prova, convencendo o juiz, apenas porque é simpática, tem carisma, é convincente?
Não, não seria justo.
Assim, pois, é preciso correr dentro de certos trilhos, por mais que as coisas nos Juizados sejam informais: é possível avisar o autor, por telefone, de um novo dia e horário para sua audiência e pedir-lhe novos documentos, por exemplo. Entretanto, certos atos formais não podem ser abolidos.
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